Palavra de Abertura

 

«No princípio existia o Verbo...

e o Verbo era Deus...

O Verbo fez-se homem

e veio habitar entre nós... (João 1:1.14)

«Mas a quantos o receberam,

aos que nele crêem,

deus-lhes o poder

de se tornarem filhos de Deus.» (João 1:12.)

Mistério admirável

A fé Cristã brota do amor de Deus às pessoas humanas. Nisto consiste o mistério admirável de um Deus Eterno e Omnipotente que deixa a sua glória no Céu para vir à terra e revestir-se da nossa humanidade mortal, tornando-se em tudo igual a nós, excepto no pecado. (Filipenses 2:6-11.)

Deus fez-se pessoa humana em Jesus Cristo

No seu divino amor pela Humanidade, Deus encontrou o meio de assumir a natureza humana por seu Filho Jesus Cristo, para poder falar com a pessoa humana e entender-se com ela, de modo a firmar com ela uma aliança de amor. Mas, antes de encarnar em Jesus Cristo, a Palavra de Deus primeiro revestiu-se da palavra e da linguagem humana, para se tornar compreensível às pessoas humanas. Deste modo, a Bíblia, Palavra de Deus revestida da palavra e linguagem humana, foi escrita em caracteres humanos para que as pessoas humanas possam entender perfeitamente a mensagem da salvação que Deus lhes quer revelar.

A Palavra de Deus expressa nas palavras e linguagem humanas

Desde longa data, inspiradas por Deus, pessoas de todos os povos e culturas onde chegou a Boa Nova do Evangelho, têm-se preocupado em traduzir a Bíblia nas línguas próprias dos seus povos e culturas. Estes tradutores são impelidos pelo imperativo da consciência da sua fé e pela vontade de Deus que quer que a sua Mensagem de salvação escrita na Bíblia, chegue em perfeitas condições a todas as pessoas de todos os povos do mundo inteiro, escrita na língua própria de cada um. É digno e justo que se evidem todos os esforços para que as Escrituras Sagradas (Bíblia) cheguem perto de cada um, para que possa acolher a Palavra de Deus em seu coração, entendê-la e deixá-la transformar a sua própria vida.

A Palavra de Deus é expressa na lingua Gitonga

Também os Vatonga, uma vez recebida a Boa Nova do Evangelho, acharam por bem empenhar-se no trabalho da tradução da Bíblia para a sua língua materna, o Gitonga. Desta forma também eles poderão aproximar-se com amor, da Fonte da Bíblia para beber da Água Viva da Palavra de Deus, na sua própria língua. Foi neste esforço que se produziu o fruto saboroso que amavelmente vos apresentamos, sob o título de Bhibhiliya Nya Guage.

Esta edição, Bíblia em Gitonga é a conclusão de um longo e dificultoso trabalho de traduzir pela primeira vez em Gitonga tal como se fala hoje, com a finalidade de colocar nas mãos dos Vatonga, a Palavra de Deus que contém a Salvação.

Esta é a primeira publicação da Bíblia completa em Gitonga. Já fazia muito tempo que o Povo Tonga de Inhambane, vinha suplicando com insistência a graça de poder “matar a sede da Palavra de Deus” na sua própria língua materna. Com efeito, antes da edição desta Bíblia, os cristãos Vatonga para escutar a Palavra de Deus, tinham de recorrer a outras línguas, como o Português, Citshwa, ou mesmo Changana e Ronga, línguas que a maioria deste povo não domina. Qualquer dessas línguas é como «enxada emprestada».

«Bíblia em Gitonga» é fruto da colaboração de todos

A Bíblia em Gitonga é o resultado final de um trabalho longo e árduo que durou várias décadas e contou com a colaboração de muita gente de diferentes idades, extractos sociais, diferentes igrejas e lugares de proveniência. Na verdade, a «Bíblia em Gitonga» é fruto da colaboração dos fiéis cristãos que crêem em Cristo e adoram Deus em diferentes denominações (Igrejas). As pessoas que estiveram directamente envolvidas nesta tradução vêm de todas as regiões onde se fala o Gitonga: Cumbana, Litoral do Oceano Índico, Litoral da Baía de Inhambane, Morrumbene e Cidade de Inhambane (Sewi), unindo assim as diferentes variantes desta língua numa única obra.

A tradução seguiu a escrita padronizada do Gitonga que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Estudos das Línguas Moçambicanas (NELIMO).

Por outro lado, para a materialização desta obra, foram consultadas diversas traduções com particular realce as línguas originais como o Hebraico e Grego e sobretudo as versões João Ferreira de Almeida-Revista, Actualizada e Corrigida.

A «Bíblia em Gitonga» é, portanto, um símbolo significativo da fixação e unificação do Gitonga enriquecida na pluralidade das suas formas dialetais.

Breve história da tradução da Bíblia em Gitonga

 A primeira tradução

O primeiro trabalho de tradução da Bíblia em Gitonga data já dos finais do séc. XIX, realizado pelos missionários da «American Board» a partir da Missão de Chicuque, onde funcionava um Centro de Formação e de Estudos Bíblicos. Fruto desse louvável trabalho, já em 1888 apresentaram ao público a tradução do Evangelho de Marcos. Em 1897 a «American Board Bible Society» publicou a primeira tradução do Novo Testamento em Gitonga. Em 1902, publicaram os seguintes livros: Salmos, Rute, 1 Samuel. Mas devido à transferência do Centro de Formação e Estudos Bíblicos de Chicuque para Cambine, não continuaram os trabalhos de tradução em Gitonga. Os missionários passaram a trabalhar mais com o Citshwa. Dos livros que tinham sido já escritos em Gitonga quase todos desapareceram da circulação, com a excepção do Novo Testamento que ainda hoje se pode encontrar em algumas famílias que o conservaram.

A nova tradução

Em 1978, o Frei Frederico Samuel Nhanala, que já tinha feito algumas traduções de livros de orações, concebeu o plano de traduzir a Bíblia em Gitonga. A Sociedade Bíblica de Moçambique viu com bons olhos essa iniciativa e organizou a primeira Equipe Ecuménica Gitonga de Tradução do Novo Testamento. A Equipe era formada pelos seguintes membros: Frei Frederico Samuel Nhanala (Católico), Padre José Jeremias Cossa (Anglicano), Liberato Nhacassane Nhampossa (Católico), tendo como supervisor, o Rev. Félix Cossa (Presbiteriano). Esta Equipe enfrentou muitas dificuldades para trabalhar. Em 1980 os membros já não se reuniam como Equipe. O Frei Frederico continuou a trabalhar a nível individual e em 1984 tinha um caderno com manuscritos de quase todos os livros do Novo Testamento, excepto o Apocalipse. Estava ele embalado neste projecto quando subitamente, a 26 de Novembro de 1984 foi barbaramente assassinado num ataque da guerrilha em Maluane, perto da vila de Manhiça, quando se dirigia de Xai-Xai a Maputo para participar numa reunião. Os manuscritos do Novo Testamento ficaram nas mãos do Frei Amaral Bernardo Amaral, seu colaborador na tradução e substituto na Paróquia de Xai-Xai. Este comprometeu-se a dar continuidade ao trabalho já iniciado.

Dr. Peter Renju e a restruturação da equipa Gitonga

Em 1986, o Dr. Peter Renju, Consultor geral de traduções das Sociedades Bíblicas Unidas com sede em Nairobi, directamente responsáveis das Equipes de tradução de Moçambique e Angola, decidiu reestruturar a Equipe Gitonga. Conseguiu-se graças ao apoio do Rev. Baltazar Amosse Zita, na altura Secretário Executivo da Sociedade Bíblica de Moçambique, e de Dom Dinis Sengulane, Bispo dos Libombos.

Assim, em 1987, na cidade de Inhambane (Sewi), foi criada a segunda Equipe formada por: Frei Amaral Bernardo Amaral (Católico), como coordenador, Liberato Nhacassane Nhampossa (Católico), César Machaiane Nhanala (Anglicano), Ernesto Laice (Metodista), Simão Maocha (Congregacional).

Os frutos não se fizeram esperar. Em 1991 foi publicado em separado o Evangelho de São Mateus. Em 1992, ao mesmo tempo que se intensificava o trabalho de revisão dos livros do Novo Testamento, iniciou-se também a tradução do Livro de Salmos e o do Génesis.

Em 1996, a Sociedade Bíblica de Moçambique publicou o Novo Testamento em Gitonga, apresentado ao público na Paróquia Anglicana de Chambone, Maxixe em 1997, ano em que se comemorava 100 anos da primeira tradução, publicada em 1897.

Projecto Antigo Testamento

Entusiasmado por este sucesso, começou-se a se pensar na tradução do Antigo Testamento com vista à publicação da Bíblia completa. Em 1998, a Sociedade Bíblica de Moçambique encorajou a Equipe Gitonga a assumir o Projecto da tradução do Antigo Testamento. Foi então criada a Terceira Equipe, que integrou novas pessoas porque alguns da Equipe anterior como Liberato Nhacassane Nhampossa, Simão Maocha e Ernesto Laice, tinham já partido para a «Casa do Pai». Em sua substituição foram chamados os seguintes elementos: Amílcar João Amaral (Católico), Francisco Nhambihu (Metodista) ajudados tecnicamente por Dr. Almeida Penicela, Bispo emérito da Igreja Metodista Unida de Moçambique.

Abertura do Escritório em Inhambane

A partir do ano de 2001, a Sociedade Bíblica de Moçambique decidiu organizar um espaço próprio para a Equipe Gitonga em Inhambane. Ao Frei Amaral que se encontrava em processo de transferência foi incumbida a tarefa de procurar um espaço disponível para a Equipe na cidade de Inhambane ou na Maxixe e também de fornecer à Sociedade Bíblica três nomes de pessoas de Igreja diferentes para formarem a Equipe de tradução. Foram chamados os seguintes tradutores: José Joaquim Nhampossa (Católico), Amílcar João Amaral (Católico) e Aníbal Ventura Peleve (Congregacional).

Não tendo encontrado espaço na CCM da Maxixe, conseguimo-lo no Centro de Formação Humana de Guiúa. Alí passaram a trabalhar os membros da nova Equipe, com o pastor Aníbal como Coordenador do Projecto, sendo supervisor e consultor o Dr. Gosnel York. Fez-se a distribuição dos livros pelos tradutores.

Em 2005, a Equipe conheceu grandes mudanças. O pastor Aníbal afastou-se para responder a outras tarefas e foi substituído por José Joaquim Nhamposa na coordenação da Equipe. Também saíu o Dr. Gosnel York e foi substituido pelo Dr. Edouard Kitoko Nsiku como Consultor o qual veio a ser substituido, a partir de 2011, pelo Dr. Justino Alfredo, para as mesmas funções.

Novo impulso e melhoramentos no Projecto

Nesta altura, a Sociedade Bíblica de Moçambique envia o primeiro computador para a Equipe e se fizeram cursos de capacitação dos tradutores para trabalhar com o computador.

A partir de 2006 foi introduzido o programa «Paratext» sob a orientação do Examinador de Manuscritos, o senhor Vitorino Bila. Com estas inovações, o trabalho conheceu rápidos progressos. Fizeram-se cursos de formação dos tradutores para a utilização do novo programa. No começo parecia muito difícil, mas depois se descobriu a sua grande utilidade para este tipo de trabalho.

Em 2011, anunciando-se o termo do tempo do Projecto, era necessário intensificar os encontros com a Comissão de revisores, passando para dois encontros semanais, além de seminários. Neste período, mais elementos vieram reforçar a comissão de revisores, são eles: Octávio Filipe Mafanela (Anglicano), Vitória Oliveira Garrine (Metodista), Jeremias Zacarias Macuhane (Congregacional), Ventura Cuamba Peleve (Congregacional), Alexandre Nguila Safrão (Exército de Salvação).

De 2013-2014 a Sociedade Bíblica de Moçambique, através do seu Director Executivo, o Rev. Valente Tseco, aconselhou para que o Frei Amaral Bernardo Amaral se deslocasse de Maputo para Inhambane, a fim de apoiar a Equipe, ocupando-se particularmente dos livros Deuterocanónicos, o que veio a se efectivar. O senhor Alexandre Nguila Safrão (Exército da Salvação) foi convidado a reforçar a comissão dos revisores. É anunciada a possibilidade de se fazer a apresentação da Bíblia em Gitonga no mês de Dezembro 2014 ou em Março de 2015.

Dificuldades encontradas

Já no final deste longo trabalho que durou cerca de 30 anos, e que uniu muitas pessoas diferentes, rejubilamos muito por termos recebido de Deus a força do Alto que nos permitiu vencer grandes obstáculos. Entre as dificuldades queremos referir sobretudo a longa duração deste trabalho por ser muito e difícil. A duração fez com que perdéssemos muitos companheiros ao longo do caminho. Uns “partiram para a Casa do Pai”, outros foram transferidos para longe e ainda outros que se cansaram e abandonaram o projecto. A iniciação de novos membros significava sempre uma diminuição do ritmo, até que eles se familiarizassem com o trabalho. No início enfrentamos também a dificuldade do tempo, pois a tradução tinha de se fazer somente à noite, depois de cumpridas as nossas obrigações ordinárias e à luz do candieiro pois ainda não havia energia eléctrica nas nossas residências. Tudo tinha de ser escrito a mão em papéis de resma ou em cadernos, pois não tínhamos computadores. Depois é que enviávamos os manuscritos para serem introduzidos no computador. Tudo isso representava enorme atraso e lentidão do trabalho. A chegada dos computadores e da energia eléctrica em 2004, veio aliviar e impulsionar grandemente o rítmo do trabalho da Equipe.

Particularidades desta Bíblia

A Bíblia possui 73 livros sagrados porque integra os sete livros Deuterocanónicos, que não entram na Bíblia usada nas Igrejas fora da Igreja Católica. Nas primeiras páginas deste livro, encontrará a palavra de abertura e breve Introdução à Bíblia escritos em Gitonga e traduzidos para Português. No interior do texto, encontrará ilustrações, notas de Rodapé e Notas de Referência. No fim do livro encontrará o «Glossário», onde vêm explicados os nomes e as palavras mais significativas da Sagrada Escritura.

 

Palavras de agradecimento

Chegados ao fim deste enorme trabalho de traduzir a Sagrada Escritura em língua Gitonga, nosso coração transborda de júbilo e de profunda gratidão a Deus que, desde o começo até agora no final, nos enviou a força do Alto, o Espírito Santo para nos iluminar e fortalecer neste trabalho. Agradecemos também a todos os que de perto ou de longe com as mais variadas formas colaboraram neste projecto. Nossa palavra de gratidão e reconhecimento vai sobretudo à memória daqueles companheiro e irmãos que estiveram no início deste trabalho e a ele se entregaram de alma e coração na esperança de colher dele os frutos, mas que foram chamados pelo Pai sem o terem visto com os seus olhos, são eles: Frei Frederico Samuel Nhanala, Padre José Jeremias Cossa, Bispo Almeida Penicela, Liberato Nhakassane Nhampossa, Pastor Simão Maocha , César Machaiane Nhanala, Ernesto Laice, Francisco Nhambihu e Octávio Filipe Mafanela.

Pedimos imensas desculpas pelas imperfeições que não conseguimos resolver totalmente nesta primeira edição. Conforta-nos a esperança e confiança que os que vêm depois de nós darão continuidade a este trabalho e poderão aperfeiçoá-lo mais, conscientes de que este trabalho não é dos homens, mas de Deus, pois «ninguém pode interpretar por si mesmo uma profecia da Escritura, porque jamais uma profecia foi proferida pela vontade de um homem, mas, sendo movidos pelo Espírito Santo é que certos homens falaram da parte de Deus.» (2 Pedro 1:20-21).

A equipa de Tradução da Bíblia em Gitonga

Sociedade Bíblica de Moçambique

Guiúa- Inhambane, 2015